No universo acelerado das campanhas digitais, poucas vitórias soam tão marcantes como a de Zohran Mamdani em Nova York — jovem, muçulmano, socialista declarado, ele rompeu paradigmas, enfrentou gigantes do establishment e venceu. Esta análise, voltada para profissionais de marketing político, examina técnicas pouco-vistadas e “viradas” estratégicas que permitiram essa vitória — e extrai lições para o contexto brasileiro.
1. O contexto e o personagem
Mamdani, aos 34 anos, tornou-se o primeiro muçulmano e o mais jovem prefeito em mais de um século de Nova York. Ele entrou na disputa com amplo desnível em reconhecimento político (pesquisas iniciais o apontavam com ~1% de apoio) e com adversários poderosos como Andrew Cuomo, ex-governador com histórico e máquina.
Em paralelo, o cenário: crise de custo de vida em Nova York, escassez de moradia acessível, insatisfação crescente com a política tradicional. Isso criou o terreno fértil para uma campanha disruptiva.
2. Elementos disruptivos da campanha (parte técnica)
Vamos dissecar o que tornou essa campanha diferente — focando em escolhas que quebraram paradigmas ou avançaram por caminhos ainda pouco explorados.
2.1 Multilinguagem, multicomunidade e “nichos invisíveis”
Mamdani orientou sua comunicação para comunidades tradicionalmente pouco exploradas por campanhas majoritárias nos EUA: imigrantes, não-falantes de inglês, bairros com alta diversidade étnica. Por exemplo: vídeos em árabe, bangla, urdu; postagens direcionadas a micro-comunidades.
Essa estratégia de “ir onde a campanha comum não vai” fez uma ponte direta com eleitores que se sentem excluídos das narrativas tradicionais — o que, no Brasil, também sugere a relevância de “nichos invisíveis”: comunidades rurais, bairros periféricos, povos tradicionais.
2.2 Comunicação digital como motor central (não suporte)
Ao contrário de campanhas que ainda tratam o digital como apoio, Mamdani colocou a rede social, o vídeo curto, o meme, o influenciador local no centro. Um artigo cita: “vídeos de explicação de políticas, stunts virais, engajamento muito maior que o adversário”.
Ele traduziu políticas complexas para linguagem acessível, visual, “instagramável” — por exemplo, entrando em metrô, comendo burrito em horário de jejum, fazendo o cotidiano virar símbolo de identificação.
No Brasil, onde o alcance digital é altíssimo e a concorrência por atenção enorme, isso reforça a lição: não basta estar online, é preciso ser memorável, humanizado, simples.
2.3 Mobilização e micro-ação de base + transformação em narrativa
A campanha de Mamdani não se apoiou apenas em outdoors ou TV — usou extensa ação de base: door-to-door, voluntariado massivo, construção de “movimento” mais do que campanha.
Mas o diferencial: essa mobilização de base virou discurso e narrativa digital: “somos o movimento dos que foram deixados de lado”, “este é o nosso momento”. Ele unificou a micro-ação (voluntários, comunidade) com a macro-mensagem (mudança, nova política).
2.4 Identidade autêntica como vantagem estratégica
Mamdani não escondeu sua identidade – muçulmano, filho de imigrantes, socialista –, mas transformou isso de possível “desvantagem” em vantagem: autenticidade, diferenciação, empatia com eleitores diversos. Por exemplo: “Sou muçulmano, sou socialista, recuso-me a pedir desculpas por isso”.
Essa abordagem rompeu a lógica tradicional de “diluímos identidade para sermos mais palatáveis ao centro”. Em vez disso, ele usou a identidade como âncora de credibilidade para seu discurso de mudança.
2.5 Mensagens centradas no cotidiano: “affordability” como eixo narrativo
Em sua campanha, os grandes temas foram custo de vida, aluguel, transporte gratuito, creche — problemas muito concretos do dia-a-dia.
Essa simplicidade de narrativa — traduzir o macro para o tangível — fez a mensagem penetrar. No Brasil, campanhas frequentemente falam em “mudança”, “gestão”, “inovação” — mas falam pouco em “quanto vai mudar o meu aluguel”, “meu transporte”, “minha creche”. A lição aqui: o discurso disruptivo não precisa ser abstrato, ele precisa ser visceral.
2.6 Repúdio explícito ao establishment e ao poder externo
Mamdani enfrentou diretamente o poder: o apoio de Donald Trump ao adversário, inclusive ameaça de corte de recursos federais. Ele usou isso como oportunidade: “Se querem nos silenciar, isso só mostra nossa força”. Esse posicionamento “outsider vs gigante” é clássico, mas o diferencial foi a capacidade de fazer esse embate parecer autêntico e não apenas retórico.
No Brasil, muitos candidatos evitam o confronto com “grandes poderes” ou “sistemas”. A lição: um posicionamento claro contra o estabelecimento pode ser vantajoso — desde que esteja apoiado por mobilização real e não apenas retórica.
3. Paralelos e lições para campanhas brasileiras
Como estrategista com mais de uma década em campanhas de vereadores e prefeitos em cidades pequenas e médias no Brasil, vejo várias lições diretas da campanha de Mamdani para nosso contexto — ajustadas a realidades diferentes, claro.
3.1 Nicho + digital = vantagem para quem não tem máquina
Em cidades de até 100 mil habitantes, a “máquina” do adversário pode ainda ser forte — mas a digitalização reduz essa vantagem. Aplicando: segmentar micro-nichos (por exemplo: comunidade de apicultores, pessoas com deficiência, povos tradicionais) com vídeos, reels, posts “na língua” deles, falar de problemas específicos. Isso rompe o “todos iguais” e cria identificação forte.
Mamdani fez isso com comunidades imigrantes. Você pode fazer com comunidades locais pouco atingidas.
3.2 Comunicação com identidade autêntica
Não se trata apenas de “usar” um perfil de candidato. Trata-se de torná-lo autêntico: identidade, história, valores — colocados em primeiro plano e conectados às propostas concretas. No Brasil, o eleitor quer ver “esse é o cara que sou eu, que entendo meu bairro, meu problema”. Se o candidato tiver história verdadeira — por ex. defesa de pessoas com deficiência — use isso de modo autêntico, não genérico.
3.3 Conteúdo digital viral + mobilização de base = integração
Na sua experiência com social media e tráfego para geração de leads, a lição é: não basta “bombar” anúncios ou posts. Como Mamdani: gerar ação digital → converter em voluntário/contactação → mobilização de base → alimentar novo conteúdo. Essa integração digital-físico é vital. Em campanhas menores, isso se traduz por: vídeos curtos, lives com comunidade, stories com porta-a-porta, anúncios micro-segmentados e convite ao engajamento real (“vamos juntos visitar fulano”).
A fórmula: Visibilidade + engajamento + ação.
3.4 Focar em problema concreto de “custos da vida” local
Em uma cidade pequena ou média no Brasil, há analogia: custo de transporte, qualidade da creche, vulnerabilidade da moradia, acesso às redes sociais, pessoas que se sentem invisíveis. O discurso “eu vou fazer o básico que você sente todo dia” é poderoso — menos “vou revolucionar o sistema” e mais “vou mudar o que você vê quando acorda”. Isso conecta emocionalmente e cria mobilização.
Mamdani acertou ao centralizar sua campanha em conversar diretamente com o público mais esquecido.
3.5 Uso estratégico da narrativa de “mudança” e “movimento”
Mesmo em cidades menores, campanha não é só eleição — é movimento. Convocar pessoas: “somos nós que vamos mudar”, “este momento é nosso”, “nós fomos deixados de lado”. Isso cria pertencimento. Você, como especialista em copywriting para anúncios no Facebook/Instagram, pode usar essa narrativa de movimento: “esta é a hora”, “junte-se”, “você conta”.
Mamdani fez isso ao transformar voluntários em embaixadores da causa.
3.6 Posicionamento consciente diante de ataques ou pressão externa
No Brasil, campanhas também enfrentam pressão de “poderosos”, “grandes concorrentes”, recursos desiguais. A lição: não tentar fugir do conflito à todo custo, mas usá-lo como parte da narrativa. Se haverá ataques, pode-se antecipar e transformar em: “tentam nos silenciar, mas fomos escutados”. Isso exige preparo para crise e autenticidade — Mamdani fez isso frente ao apoio de Trump ao adversário e ataques à sua fé.
Em campanhas municipais, isso se traduz em: enfrentar a “máquina” adversária, não se intimidar, e usar o cenário como tema de mobilização.
4. Conclusão: por que funciona e o que observar
A campanha de Mamdani funciona porque combinou:
- Uma proposta concreta, ligada ao cotidiano e à dor real (aluguéis, transporte, creche)
- Uma mobilização digital massiva + base tradicional (voluntários, comunidades)
- Identidade autêntica + narrativa inclusiva
- Comunicação segmentada e multilinguagem (ou, em contexto brasileiro, “multicomunidades”)
- Transformação de desvantagem em vantagem (sua juventude, pouco reconhecimento inicial, identidade)
- Um discurso de “nós contra quem está nos deixando para trás” que gerou pertencimento
Para campanhas no Brasil — especialmente em municípios menores — esse combo pode servir de inspiração para sair da mesmice “prometemos saúde, educação, segurança” e entrar em “como vamos tocar a vida de quem está ouvindo agora”. Importante: a adaptação ao contexto local é vital — cultura, linguagem, mídias, comunidade mudam.
Ponto de atenção: Disruptivo não significa radical sem sustentação. Mamdani teve críticas quanto à experiência ou viabilidade. Da mesma forma, em campanha municipal brasileira, não adianta “prometer tudo” se a execução parece inviável — credibilidade e conexão com a realidade local importam.